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Conto - Em nome de Deus

Em nome de Deus
Chocados ficamos ao saber do que são capazes as pessoas por ambição. É o caso de nossos pequenos Mark e John, o primeiro com dezenove anos e o segundo com dezesseis. Ambos descendentes de uma longa geração que vivera na pequena cidade dos EUA. Suas famílias eram amigas de longa data, não fora diferente com os garotos que não se desgrudavam um minuto, até surgiram boatos, mas nada foi a frente.
Mark era um garoto muito ambicioso, sonhava com riquezas, poder, sucesso, mas isso daria muito trabalho pelo jeito convencional, trabalho do qual queria ser poupado. John, garoto magrelo e de cabelos finos seguia como fiel escudeiro de seu amigo onde fosse, quando Mark escolheu um jeito para conseguir o que queria, arrastou o garoto junto.
Caverna sagrada, era como chamavam os meninos o lugar de seus rituais, não era bem uma caverna, mais parecia um buraco entre pedras no meio da floresta, mas não acharam nome melhor, foi esse mesmo:
- Trouxe tudo? – indagou Mark.
- Claro, está tudo aqui. – John aponta para a sacola.
- Ótimo, acenda as velas.
John acata o pedido acendendo as velas e as posicionando no devido lugar enquanto Mark preparava o altar, na sacola pequenos barulhos podiam ser ouvidos, quando tudo estava pronto John por um momento hesita:
- Mark, eu não sei se isso é certo.
- Deixa de ser medroso John, é só um cachorrinho. Vamos me dê ele. E o punhal.
O garoto então, abre a sacola, retirando o pequeno filhote segurando em seus braços, entrega-o a Mark junto com o punhal que compraram em uma lojinha na beira da estrada. Os dois juntos começam a declamar palavras de uma “oração”, dizendo renunciar a Deus e se entregar a Lúcifer. E então em um único gesto, Mark golpeia o filhote no peito, deixando seu sangue escorrer por todo o altar que havia preparado.
- Uma nova vida – declamava Mark.
John apenas sorria com as promessas de seu amigo, estava claro como cristal, que ele seria um servo abdicado, pronto pra obedecer a seu mestre. Quando os garotos deixam a caverna, sentem uma felicidade inimaginável, sem perceber que olhos os observavam. Olhos curiosos para descobrir o que havia de errado com dois garotos aparentemente normais.
Os passos curiosos, avançavam para a caverna lentamente, na tranquilidade que encontraria o que procurava, e não enganava-se.
Na pequena caverna de pouco mais de três metros e meio, havia um altar com velas já apagadas, no chão desenhos e escritas, ambos estranhos e difíceis de interpretar, mas o que mais espantou a aqueles olhos curiosos era o sangue formando um desenho macabro. Com os olhos saltados afasta-se dali, mas tão logo passado seu espanto, brotava-lhe um sorriso no canto da boca e um pensamento infame na cabeça. Seria a desculpa perfeita, para o peso de sua consciência.
Era dezembro, e o inverno aconchegava o coração da pequena população de Romaria¹, como de costume no domingo, quase toda a população, muito ligada a religião, frequentava a única igreja da região. Naquele domingo Mark e John pareciam um pouco mais incomodados do que o normal. Odiavam estar naquele lugar, principalmente Mark, que não conseguia compreender todas aquelas pessoas falando besteira. No final da missa todos se encontravam na porta da Igreja para colocar os assuntos em dia.  Rutty Miller, mãe de Mark, era uma senhora muito religiosa, sempre procurava Padre Joseph para bajular o jovem reverendo, que para ela era mais que um padre:
- Padre Joseph, um belo sermão hoje, como de costume. – exclamou Rutty.
- Fico muito agradecido, Rutty, como sempre cheia de simpatia – respondeu o reverendo – preparada para o novo ano?
- Não muito, 1967, dizem que ano ímpar traz azar.
- Para Deus, não existe azar. Senhora Rutty, me permite um comentário inconveniente? – pergunta.
- Claro padre.
- Noto seu filho, Mark, um tanto desconfortável. Algum problema com ele? – indaga curioso.
-  Creio que não padre, sabe como são os jovens, ainda mais nesse modernismo doido, Mark como todo jovem queria estar em outro lugar, deveras.
- Por suposto. Mas nunca é demais investigar o bem estar de meu rebanho, não é mesmo?
- Corretíssimo, se me permite tenho que preparar o almoço, hoje a família de John Smith almoça conosco.
- Um ótimo garoto, John, não acha?
- Excelente. Bom, até mais. A benção.
- Até mais ver dona Ruty. Que o senhor a acompanhe.
- Amém.
As comemorações de passagem de ano das famílias Miller e Smith, fora a mesma por muitos anos, uma exígua reunião que começava perto das onze e acabava antes da uma. Apenas um banquete, conversação e alguma risada contida, nada de uma festança exagerada. Não fora diferente para esperar 1967. Como todo ano a família Smith volta para casa a uma da manhã, e na casa dos Miller, Ruty coloca os filhos para dormir e em seguida se deita com o marido, com quem apenas mantem a conveniência. Foi uma comemoração normal, mas no primeiro despontar do sol naquele ano, é que houve a mudança naquela acomodada cidade.
Todas as casas abrangiam a região da pequena igreja foram invadidas por um grito estridente e longo, de uma criança ao que tudo indicava. Sem nenhuma hesitação, a vizinhança inteira pôs-se para fora, dando falta apenas de Padre Joseph. O pequeno garoto, parado em frente à Igreja, continuava com seus gritos agudos e sua bola na mão. Quando a população se aproximou, ficaram aterrorizados com a imagem que viram.
Uma gigante e bem feita cruz de madeira fincada em um buraco feito no chão, a pessoa que fez isso deve ter tido muito trabalho. Mas o espanto não era causado pela cruz. Mas sim pelo corpo amarrado nela. Uma moça, muito jovem, sem roupa nenhuma, em seu peito até a barriga uma costura que lembrava uma cruz. O que mais horrorizava aquela gente, eram os órgãos da garota enfileirados no chão, do menor para o maior:
- O que está se passando? – John aproxima-se de Mark.
- Parece que tem uma moça morta na frente da igreja. –responde Mark.
John e sua família aproximam-se da cruz e deparam-se com a jovem sem vida, Judy, mãe de John, cai de joelhos logo botando pra fora todo o sofrimento, sendo amparada por sua velha e boa amiga Ruty.
- Minha irmã. – John diz confuso.
Então repara algo que ninguém ainda tinha visto. Um bilhete escrito com sangue, provavelmente da vítima: “Primeira cobrança.”
O temor em seu rosto podia ser observado de longe, era normal, afinal sua irmã estava morta, mas não para Mark:
- O que houve John? – pergunta.
- Olha esse bilhete. – o garoto sussurra.
Mark recolhe do chão o pequeno papel do chão e rapidamente passa os olhos por cima, então se afasta sendo seguido por seu fiel amigo:
- Penso que isso pode ter sido pelo que fizemos.
- Deixe de ser tolo, é claro que é uma coincidência. Isso é obra de algum sádico desses que gostam de menininhas.
John abaixa os olhos tristes, sem encontrar nenhuma resposta.
- Olha John, não pense mais nisso, tudo bem? Fique com sua mãe, que ela precisa de você agora.
O garoto então faz um sinal com a cabeça concordando com o amigo, e volta para perto da sua mãe, tentando a abraçar, mas a mulher, de tão abalada, apenas grita e não quer o consolo de ninguém.
Fora um belo cortejo, pessoas cheias de emoção. Os dias que o sucederam passaram normais. John não conseguiu acatar as ordens de seu amigo e não tirava as palavras do bilhete do pensamento. E não tardou para o novo ataque acontecer.
A cena se repetia como um déjá vu, o mesmo cenário, os mesmos curiosos só a vítima mudara, Seu Harry, devoto marido de Ruty, excelentíssimo pai de Mark, pendurado na nova cruz defronte à igreja. Era um tanto gordo, o assassino deveras seria forte. Dona Ruty, pobrezinha, só podia abaixar a cabeça e chorar. Tinha três filhos pra criar, como faria isso sozinha?


John ao se aproximar do local, procurando alguma pista, encontra um novo bilhete que novamente tinha passado despercebido. “Segunda alma, paga.” Seus olhos arregalados, denunciavam o pavor que a nova mensagem lhe causara. Com as pupilas dilatadas e o bilhete em suas mãos vai ao encontro de seu amigo:
- Mark, outro bilhete. – John diz entregando-lhe o bilhete.
- Deixe de bobagem John, isso é só algum doido solto por aí.
- Mas, Mark ...
- Pare de me perturbar com suas fantasias. – Mark responde virando as costas.
John resolve então concordar com o amigo, e põe na cabeça que tudo não passava de uma coincidência, deveras era um louco que nem sabia o que estava dizendo direito.
As investigações já haviam começado e tudo apontava para Joseph como culpado, assim pensava o investigador:
- Padre, podemos falar uns minutos? – indaga entrando no galpão.
- Claro meu filho. Sobre o que se trata?
- Sobre os assassinatos recentemente ocorridos.
- Oh, em que posso ser útil?
- Bom, eles foram em frente a sua Igreja, não viu nada suspeito?
- Não senhor. Acredito que a morte tenha sido em outro lugar, já que se fosse ali, qualquer um teria escutado.
- O Senhor faz móveis de madeira? – pergunta avistando-as no local.
- Não para comércio, dou aulas de marcenaria aos garotos da cidade.
- Bom, vou deixa-lo trabalhar, se souber de algo, me avise.
O investigador saiu de lá com uma única certeza, Padre Joseph era o assassino, mas uma dúvida ainda pairava sobre ele, por quê?
O que o investigador e nem qualquer outra pessoa, que não fosse o próprio assassino, podia esperar, era que na manhã seguinte, a cidade amanheceria sobre a sombra de outra morte. A vítima desta vez, era o homem que conhecia tão bem o lugar onde os corpos eram expostos e até então o principal suspeito, Padre Joseph
John logo saiu a procurar o que estaria escrito no último bilhete, e quando o encontrou, novamente foi mostra-lo a seu amigo, mas dessa vez muito mais surpreso. Mark que sempre achou que tudo não passava de bobagem do fiel companheiro, desta vez não pode evitar o medo. “Todas as almas serão cobradas, Mark”
Mark não disse nada, apenas começou a caminhar em direção a sua casa, seguido do amigo. Sentaram-se no sofá ainda temerosos:
- Mas por que o padre? – perguntou Mark.
- Talvez ele tenha descoberto o real assassino. Ou é um daqueles que querem provar que a polícia está errada, já que desconfiavam de Joseph.
- Tem razão. Agora devemos ficar precavidos. Vá para sua casa e fique atento a tudo que se passa.
John concordou com a cabeça e virou-se em direção a porta, enquanto Mark deitava-se no sofá, respirando ofegante, ficou assim por alguns minutos, até perder os sentidos. Acordou sentindo uma dor enorme em sua cabeça, olhou a sua volta e não estava em casa, forçou a vista até conseguir se dar conta, estava na caverna, só queria dizer uma coisa: ele era o próximo.
Tentou investigar, mas tudo estava escuro, apenas conseguia ver as chamas de uma vela acesa dentro da caverna, mas não havia qualquer sinal de que estava acompanhado, então arrastou-se pelo chão, fazendo o máximo para não emitir qualquer som e quando se viu fora do lugar de abate pôs-se de pé e correu até chegar em frente à igreja encontrando sua beata mãe ao pé da enorme cruz de madeira:
- Mãe, o que faz aí? – perguntou surpreso.
Ruty, se aproximou do garoto, afagando seus cabelos e o envolvendo com o braço esquerdo, com o direito retirou o punhal que estava escondido no cós da saia, fazendo o garoto arregalar os olhos e tentar se soltar, mas a velha era gorda e forte e o prendeu com apenas um braço:
- Me desculpe meu filho, mas é necessário de que nenhum demônio permaneça sobre a terra. – disse em seguida rasgando o peito do garoto que começara a gritar, mas caiu desfalecido no chão.
Em sua casa, John ao ouvir um barulho, acorda assustado, coloca vagarosamente os pés no chão frio de madeira, e começa a andar em direção ao quarto dos pais, verificando se tudo estava bem:
- Mãe. – chama
- Que foi John. – responde com a voz de quem estava chorando.
- Está tudo bem? Parece que ouvi um grito.
- Não ouvi nada. – respondeu cobrindo a cabeça.
Não satisfeito com a resposta o menino magrelo se dirige até a porta colocando nos pés o chinelo que ali se encontrava, caminhou até a rua inconscientemente se dirigindo até a igreja, tamanho foi o susto ao encontrar o amigo caído no chão banhado em sangre, abriu um berreiro que desta vez acordou a vizinhança que logo correu pra rua a ver de que se tratava. Encontraram o jovem Mark em posição diferente dos outros corpos, sua barriga jorrava sangue, mas nenhum órgão havia sido retirado, e ele estava ao pé da cruz em vez de amarrada nela. A cidade fitava-o com horror até ter sua atenção desviada para cima de uma árvore na qual ouviram a velha Ruty dizer a plenos pulmões:
- Foi tudo por você, Senhor!
Depois meteu o punhal no próprio peito se levando despencar da árvore e cair agonizando no chão, fazendo toda aquela gente estremece, uns levando a mão na boca, outros se enjoando.

Não havia dúvida de que Ruty teria sido culpada pelas mortes ocorridas e tão pouco que havia feito isso por uma mente fanática e já sem a lucidez necessária. Alguns lamentavam o fato da senhora ter tomado um rumo tão triste, outros diziam que era uma louca que só merecia mesmo a morte. Mas sem dúvida a cidade jamais esqueceu o fato, principalmente John que depois do acontecido raramente tornou a botar os pés para fora de casa a não ser nas visitas fiéis a igreja.

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